Pesquisar este blog

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Apresentação


Esse blog tem como base principal os textos "O Sentimento da Infância", "A Descoberta da Infância" e "Os Dois Sentimentos da Infância" do livro História Social da Criança e da Família de Philippe Ariès, elaborado como trabalho pedagógico da disciplina de História da Educação, lecionada pela Professora Iracilda Pimentel Carvalho da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.








A descoberta da infância

A descoberta da infância começou, sem dúvida, no século XIII e sua evolução  pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII.
Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la, o que nos leva a pensar que não houvesse lugar para a infância nesse mundo. Esse desinteresse é mostrado nas pinturas dessa época, pois essas pinturas sempre que mostravam figuras de crianças, o que acontecia em raríssimos casos, mostravam imagens de uma nudez de crianças com musculatura abdominal e peitoral de um adulto, ou seja, eram apenas figuras de pessoas pequenas com corpo de adultos.


O século XIII continuou fiel a esse procedimento, de modo que, na Bíblia as crianças são representadas com maior frequência, mas nem sempre caracterizadas por algo além de seu tamanho. Vemos, assim, que no mundo das fórmulas românicas, e até o fim do século XIII, não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido. Isso pode ser explicado pelo fato de que a infância era um período de transição que passava rápido e cuja lembrança era logo perdida.

As crianças não tinham grande importância naquela época pois não se pensava que elas já tivessem personalidade de um homem e morreriam facilmente e em grande número, pensando-se, assim, que mal elas entravam na vida e já estavam muito susceptíveis à morte. Desconfia-se que a criança era tão insignificante que quando morria não se temia que ela voltasse para importunar os vivos.

Nossa Senhora menina com seu pai Joaquim e sua mãe Ana.
No século XIII surgiram alguns tipos de imagens de crianças um pouco mais próximas do sentimento moderno. Isso ocorreu com a aparição da imagem de anjos e logo depois, no século XIV, apareceram os modelos ancestrais de todas as crianças pequenas da história da arte: o menino Jesus, ou Nossa Senhora menina, pois a infância se ligava ao mistério da maternidade da Virgem e ao culto de Maria. Um terceiro tipo de criança apareceu na fase gótica, com a criança nua (o menino Jesus quase nunca era representado despido), isso porque na arte medieval francesa, a alma era representada por uma criancinha nua e em geral assexuada. Durante o século XIV e sobretudo no século XV, esses tipos medievais evoluíram e o tema da infância sagrada, a partir desse século, não deixaria mais de se ampliar e de se diversificar.

Nos séculos XV e XVI a criança se tornou uma das personagens mais frequentes das pinturas anedóticas, mostrando a criança com sua família, com seus companheiros de jogos, na multidão (mas ressaltada no colo de sua mãe, ou brincando) e em várias outras situações cotidianas daquela época. Essas novas aparições nas pinturas podem ser explicadas pelo fato de as crianças sempre estarem no meio dos adultos, pois toda reunião para o trabalho, o passeio ou o jogo reunia crianças e adultos e também pelo fato de que os pintores gostavam de representar a criança por sua graça.
 
O aparecimento do retrato da criança morta no século XVI marcou um momento muito importante na história dos sentimentos. Esse retrato seria, inicialmente, uma efígie funerária, onde a criança, no início dessa nova época, não aparecia sozinha e sim sobre o túmulo de seus pais. Mas as crianças que cercavam os defuntos nem sempre estavam mortas, era toda a família que se reunia em torno de seus chefes, como no momento de recolher seu último suspiro. Desse modo, começamos a perceber o carinho e respeito às crianças em quadros e túmulos, mas hoje vemos que existem registros de que já no fim do século XVI foram construídos túmulos com efígies de crianças isoladas.


No início do século XVII os retratos de crianças se tornaram muito numerosos, percebendo-se que havia sido criado o hábito de se conservar através da arte do pintor o aspecto fugaz da infância, de modo que nessas novas pinturas a criança era representada sozinha e por ela mesma, sendo nesse momento um dos modelos favoritos para as pinturas. Cada família, a partir de então, queria possuir retratos de seus filhos, mesmo na idade em que eles ainda eram crianças. Foi como se a consciência comum só então descobrisse que a alma da criança também era imortal. Foi também nesse século que os retratos de família tenderam a se organizar em torno da criança, dando à criança um lugar privilegiado, com inúmeras cenas de infância de carácter convencional: a lição de leitura, de música, ou grupos de meninos e meninas lendo ou brincando.


Uma outra representação da criança desconhecida da Idade Média é o putto, a criancinha nua. O putto surgiu no fim do século XVI, aparecendo nas pinturas religiosas, na imagem de anjos , do menino Jesus e de crianças sagradas. A nudez da criança, a partir de então aparece ou completamente nua ou vestida com trajes que não se cobrem toda a nudez e a deixa, intencionalmente, transparecer, mas é claro que o gosto pela nudez da criança estava ligado ao gosto pela nudez clássica, que pode ser vista em várias pinturas antigas.





A invenção da infância


1º sentimento de infância é o da “paparicação” quando as crianças pequenas passam a ocupar um lugar no olhar, na diversão e nas brincadeiras dos adultos (séculos XV e XVI). Tem-se aqui a imagem “engraçadinha” da criança.
“No século XVII, de um infanticídio secretamente admitido passou-se a um respeito cada vez mais exigente pela vida da criança” Em grande parte pela cristianização dos costumes, as crianças começam a ser batizadas e ganham presença cada vez mais central nas representações artísticas.



A alma da criança é reconhecida antes que seu corpo e associada com as novas práticas de higiene, as primeiras vacinas e ao controle da natalidade cada vez mais difundido surge um cuidado com os filhos vivos. Juntamente com isso, família torna-se o lugar de uma afeição necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, algo que ela não era antes. 
A criança sai de seu antigo anonimato, ganhando uma crescente importância no meio familiar, incrementando-se os cuidados cada vez mais exigentes pela preservação de sua vida. Esse sentimento de família fortalece os laços entre mãe e criança e põe em destaque a construção de um novo lugar social da mulher, que será definido pela maternidade. No final do século XVII culmina o processo de algumas mudanças consideráveis, no que se refere às crianças, às famílias e aos costumes. A escola começa a representar o lugar da educação, em detrimento da aprendizagem no convívio direto com os adultos, de quem especialmente as crianças mais abastadas vão sendo paulatinamente separadas. Tem início seu enclausuramento, disciplinarização e vigilância constantes, por meio da escolarização e em decorrência do surgimento de um 2º sentimento vinculado à infância: o de fragilidade e inocência. Em contraposição à infância ignorada, ganha força o conceito da debilidade e da fragilidade da criança. Os costumes vigentes passam a prestigiar o recato do comportamento, o pudor com o próprio corpo, a reserva na linguagem e o controle sobre a convivência, as diversões e até sobre a leitura adequada a crianças e adultos.  O apego à infância deixa de se exprimir pela brincadeira e passa a ser veiculado por meio da preocupação moral. O 1º sentimento de infância nasceu na informalidade do convívio social e familiar. O 2º sentimento de infância surgiu fora da família, entre os eclesiásticos, os homens da lei e o moralistas, preocupados com a racionalidade dos costumes e com a disciplina. Essa nova doutrina moral influenciou fortemente o papel da família e o modelo educacional vigentes até os dias de hoje.Determinou também o deslocamento da vida social do espaço público para o espaço privado. É a partir dessa época que o castigo corporal se generaliza, tornando-se uma característica da nova atitude diante da infância. Concomitantemente, na sociedade, uma concepção autoritária,hierarquizada e absolutista ganha hegemonia. Cabe destacar que essas mudanças nas representações sociais sobre a família e sobre a infância não ocorreram da mesma maneira entre ricos e pobres ou com relação a meninos e meninas.A intimidade da vida privada, em oposição à convivência privilegiada na coletividade, se estabeleceu muito antes e mais marcadamente entre os ricos.Assim como o movimento social de escolarização demorou quase dois séculos para ser destinado também às meninas, qualquer que fosse sua classe social. Desta forma a criança não era detentora de direitos específicos as suas individualidades.  No período Renascentista "nasce" o sentimento da infância, porém este sentimento não era uniforme e homogêneo.  Salienta-se que, na maioria das vezes, o sentimento da infância estava "reservado" às elites, que dispunham dos meios necessários para garantir tratamento diferenciado com saúde, educação e cuidados para com os seus filhos.  A classe pobre não podia gozar deste sentimento, haja vista que necessitava que seus filhos, tão logo conseguissem se mover sozinhos os ajudassem nas tarefas e no trabalho.

História Social da família

 A família, no início da era moderna, tinha por missão a conservação dos bens, a prática comum de um ofício e a ajuda mútua quotidiana. Mas não tinha uma função afetiva. O sentimento de amor entre pais e filhos não era necessário à existência, muito menos ao equilíbrio da família.
A vida, na Idade Média, era vivida em público, a transmissão de valores e de conhecimentos, assim como a socialização da criança não eram asseguradas nem controladas pela família. Essas trocas afetivas aconteciam entre vizinhos, amigos, amos e criados, mulheres e homens, velhos e crianças, mas não diretamente com os pais.

A educação das crianças ocorria na convivência com pessoas mais velhas já que eram inseridas muito cedo na vida adulta.
Nessa época, era muito comum o convívio com muitos. Vida coletiva era bem retratada até mesmo nos espaços físicos. As casas tinham grandes salões onde a “multidão” convivia em uma “quente sociabilidade”.

Quadro de mudanças no conceito de infância

Quadro de mudanças no conceito de infância
A infância tem sido historicamente, uma categoria instável que deve ser regulada e controlada constantemente .


 
Infância
Feudal
Proteções
progressivas
Tendências
reformistas
Criança O período da infância não é um período distinto da vida adulta. As crianças trabalham muito cedo e vivem também na esfera pública. As crianças são crianças e não adultos em miniatura. Elas têm maneiras de pensar de sentir que lhes são próprias. Não participam do mundo dos adultos porque ainda lhes falta o que Kant chama de auto-suficiência. Para o bem da sociedade civilizada, esse estágio do crescimento tem de ser isolado e protegido do mundo abusivo. Noções de crianças como pessoas diferentes dos adultos criam para elas foros especiais, como juizado de menores. Nesse caso, a diferença baseia-se mais na idéia de que elas são seres inocentes ou impressionáveis no perigo que elas representam para a sociedade. As crianças são capazes de um pensamento racional, o que lhe dá condições de escolher o que é bom para elas. Se não podem participar devido à não auto- asuficiência, como se explica que aos doentes e aos idosos é dada a oportunidade de escolher, se eles também não são auto-suficientes? Para Minow, é necessário reconhecer as crianças como iguais ou similares os adultos pelas suas semelhanças e não pelas suas diferenças.
Família A família é patriarcal e hierarquizada e, portanto, desigual. Ela integra as instâncias de socialização da criança. A sociedade liberal do século XIX manteve o caráter desigual na família. A mãe continua excluída da esfera pública. Junto com o Estado, a família tem a responsabilidade da criança A família é igualitária e o espaço familiar, um domínio inviolável. A Corte Européia dos Direitos do Homem diminui o Poder do Estado sanitário e social e limitar suas pretensões em benefício de um Estado de direito: toda pessoa tem direito ao respeito de sua vida privada, de seu domicilio e de sua correspondência
Estado L'état c'est moi, ou seja, o estado sou eu. O soberano era fonte e origem da sociedade civi . Existe uma analogia em relação ao dever de que os filhos venerem seus pais, como os súditos, seu soberano súdito, o soberano. O Estado propõe medidas de proteção à infância, mas também deixa claros seus próprios interesses na comunicação social com elas. Busca-se a não interferência do Estado na esfera privada. Essa intervenção só pode ocorrer em último caso. Cada indivíduo tem o direito de ser tratado como os outros indivíduos e se ver livre da intrusão do Estado.
Lógica dominante Predomina a lógica da religião. Predomina a lógica da ordem pública. Predomina a lógica dos direitos do homem.
Trabalho Quanto mais filhos, melhor, pois a criança vive o mundo do trabalho ou nas fábricas. A criança é isolada do mundo do trabalho.  
Educação Criança é uma tabula rasa, onde os adultos inscrevem sua cultura. A obrigatoriedade da escola serve também para isolar as crianças do mundo dos adultos . Ela é a principal instituição socializadora, junto com a família, ambas detendo o monopólio do saber. Assiste-se a um desengajamento da família no processo educativo, uma proeminência da escola, que passa a competir com os meios de comunicação – especialmente a televisão – que abrem novas portas para o conhecimento e acabam com controle exercido pelas instituições tradicionais.
Corpo / espírito Preocupação com o corpo da criança , fonte de trabalho. Com fim da mortalidade, passa a existir uma preocupação com a formação do espírito. Alguns autores dizem que a Psicologia, criando fases do desenvolvimento infantil, reforça essa idéia de que a criança é diferente dos adultos, provocando confusão sobre seus direitos e deveres.  
Autores Aristóteles, Montaigne, Locke e Rousseau Stuart Mill, Rousseau

sábado, 2 de julho de 2011

A importância da infância

                                                                    

Como vimos o sentimento de infância presente na sociedade moderna, nem sempre recebeu muita importância, de modo que durante a idade média, inexistia um sentimento de infância e ainda menos de adolescência. Até o século XVIII a adolescência foi confundida com infância. A criança era vista como adulto em miniatura e logo que apresentava algum desenvolvimento misturava-se ao mundo dos adultos, participando das mesmas atividades como festas, jogos e brincadeiras. Nessa época a família não tinha função afetiva, sendo que na Idade Média ''era muito mais uma realidade moral e social que sentimental". Assim, como dito antes, as crianças não tinham valor, pois a infância era desconhecida, sendo só um período de transição, tanto que o número elevado de óbitos de crianças acontecia sem muito lamento pela perda, já que o índice de natalidade também era elevado. Era presente o sentimento de que a reprodução era para que se tivesse várias crianças, de modo que algumas delas pudessem ser conservadas, preservando-se, assim, a ideia da procriação (reforçando a inexistência de um sentimento pela infância na época).

A partir do século XVII, começamos a perceber um novo sentimento em relação à infância, reconhecendo-se na criança uma personalidade e a alma infantil, sob influência direta da cristianização dos costumes. Desde então, a criança começou a ser representada sozinha, sendo destacado pelo autor o ''Putto'', a criancinha caracterizada pelos pintores do final do século XVI.

As crianças se vestiam como adultos.


A evolução do sentimento da infância também pode ser percebida na análise dos trajes, jogos brincadeiras, noções de sexualidade e escolaridade. Na Idade Média, o traje da época denunciava o quanto à infância era então pouco particularizada na família, pois o traje nada separava a criança do mundo do adulto. Segundo Ariès "assim que a criança deixava os cueiros, ou seja, a faixa de tecido que era enrolada em torno do seu corpo, ela era vestida como os outros homens e mulheres de sua condição". Tal fato torna-se compreensível frente à inexistência de um sentimento de infância. Diante da concepção de criança que se tinha na época não havia porque existir preocupação relativa ao conforto e ao próprio mundo infantil. As análises de Ariès para justificar sua tese da ausência do conceito de infância basearam-se, também, nos apanhados do diário de um francês chamado Heroard, médico do rei Henrique IV, e este último, pai do príncipe Luis XIII (1610-1643). Este príncipe, foi alvo de detalhados relatos no diário do médico, onde descrevia minimamente os fatos cotidianos da vida do chamado pequeno infante. Um leitor moderno do diário em que Heroard anotava os fatos corriqueiros da vida do jovem Luis XIII pode ficar confuso diante da liberdade com que se tratavam as crianças, da grosseria das brincadeiras e da indecência dos gestos cuja publicidade não chocava a ninguém e que, ao contrário, pareciam perfeitamente naturais. Nenhum outro documento poderia dar-nos uma idéia mais nítida da total ausência do sentimento moderno da infância nos últimos anos do século XVI e início do XVII.

Há constatações, que remetem aqueles que se interessam pela temática do surgimento do sentimento de infância, a um aprofundamento mais específico nessas questões discutidas aqui. Exemplo disto é a conclusão, feita por Ariès de que não havia entendimento de que a infância tinha especificidades. Outra constatação importante feita é a de que foi após o surgimento da escola que se colocou em pauta com mais veemência questões específicas sobre a essa fase da vida, que hoje consideramos tão importante quanto a juventude.

A razão do desinteresse pela infância

De acordo com o medievalista James A. Schultz, citado por Heywood, por cerca de 2 mil anos, desde a Antiguidade até o século XVIII, as crianças no Ocidente, eram consideradas como sendo adultos imperfeito, sendo e totalmente subordinadas aos adultos. Desse modo, a idéia da infância estava ligada essencialmente à idéia da dependência. Se saía da infância quando se atingia os mais baixos graus de dependência. Esse período era tão breve e insignificante que a criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato, que pode ser explicado pelo alto índice de mortalidade infantil, que tornava a infância demasiado frágil para ganhar um lugar significante.

Essa etapa da vida provavelmente seria de pouco interesse, para os escritores medievais e, assim, somente em épocas comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que as crianças são especiais, sendo dignas de serem estudadas.
 
Para Heywood, essa generalização com relação a períodos e lugares não é capaz de resistir a uma análise mais rigorosa. No entanto, ele considera que a comparação entre criança “imperfeita” (concepção medieval) e criança mística (concepção dos românticos do século XIX) é uma ação bastante instrutiva.

(...) Aristóteles acreditava que apenas os homens no vigor dos anos seriam capazes de julgar corretamente a outros, dado que os jovens exibiam demasiadamente confiança, e os velhos, confiança de menos. Sendo assim, o conceito aristotélico de criança via esse menino (pois eram meninos que geralmente se tinham em mente) como sendo “importante não por si mesmo, mas por seu potencial”.


Persistências das velhas maneiras de pensar sobre a infância no século XX
 


Até os anos 1960, os pesquisadores consideravam a criança como “organismo incompleto”, que evoluía em direções distintas, em resposta a estímulos diferenciados. Vemos que mais uma vez, a idade adulta era a etapa fundamental da vida, para qual a infância não passava de uma preparação e, assim, o importante era encontrar formas de transformar a criança imatura, irracional, incompetente, associal e acultural em um adulto maduro, racional competente, social e autônomo. Esse modo de pensar pode ter criado um obstáculo para a pesquisa sobre a criança, permanecendo o sentimento de que a infância era um fenômeno de pouco interesse para os pesquisadores.

Em 1990 os sociólogos Alan Prout e Allison James apontavam para o surgimento de um novo paradigma para a sociologia da infância, baseado em seis aspectos fundamentais. Em 1998 esses autores, juntamente com Chris Jenks, defenderam abordagens sociológicas, das quais três são consideradas relevantes para os historiadores:

  • A infância deve ser compreendida como uma construção social, de modo que os termos “criança” e “infância” serão compreendidos de formas distintas por sociedades diferentes, afinal a imaturidade das crianças é um fato biológico, mas a forma como ela é compreendida  e como atribuem significados é um fato cultural.
  • A criança é uma variável da análise social, a ser analisada em conjunto com outras, como a famosa tríade classe, gênero e etnicidade. Uma categoria relacionada à idade, como a infância, não pode ser investigada sem que se faça referência a outras formas de diferenciação social que a intersectam. Uma infância de classe média será diferente daquela vivida no seio da classe trabalhadora, os meninos provavelmente não serão criados da mesma forma que as meninas etc.
  • As crianças devem ser consideradas como partes ativas na determinação de suas vidas e das vidas daqueles que estão a seu redor, afinal, as relações entre adultos e crianças podem ser descritas como uma forma de interação, na qual os pequenos têm cultura própria ou sucessão delas (as crianças não são receptáculos passivos dos ensinamentos dos adultos, como pensavam os neobehavioristas; pesquisas sociais recentes indicam ser um engano atribuir aos pais o papel de modelo e às crianças o de seguidoras).

Limites para o novo paradigma proposto por Prout, James e Jenks

  •   Se a infância deve ser considerada uma construção social, que papel resta às influências biológicas?
  • Como se pode chegar a idéias gerais sobre a infância quando a ênfase recai sobre a pluralidade dos construtos sociais, no limite, naquilo que é singular a cada sociedade e não no que é comum a todas?
Esse novo paradigma das ciências sociais influenciou e foi influenciado pela historiografia sobre a infância, tanto que os historiadores contribuíram para um reconhecimento da construção social da infância no qual as comparações no decorrer do tempo foram instrutivas quanto as de caráter intercultural.

  O livro "História social da criança e da família" adequado aos cientistas sociais nos anos 1970 por afirmar que na sociedade medieval o sentimento da infância não existia desencadeou uma série de debates estritamente históricos, sendo discutido se o período medieval tinha realmente uma consciência da infância, os períodos fundamentais na “descoberta da infância”, a natureza das relações entre pais e filhos nos diversos períodos e o papel das escolas etc.

O problema das fontes sobre a infância


Um problema específico para os historiadores é desencavar materiais-fonte sobre infâncias do passado. As próprias crianças não deixam muitos registros. Até mesmo os artefatos destinados a elas, como livros e brinquedos, sobrevivem pouco. Os historiadores têm demonstrado uma engenhosidade considerável em sua utilização das fontes, recorrendo a registros oficiais como os produzidos por inspetores de fábricas e escolas; trabalhos polêmicos gerados a partir de debates relacionadas à infância; descrições literárias em romances e poesias; “documentos do ego’, na forma de diários; autobiografias e testemunhos orais; coleções folclóricas e manuais de aconselhamento destinados aos pais.


Fonte: http://historiadainfancia.blogspot.com/

As Idades da Vida

                                                                 
Os textos da Idade Média traziam a ideia de que a primeira idade é a infância que planta os dentes. Essa idade se dá quando a criança nasce e dura até os 7 anos, ela é chamada de enfant, que significa não-falante, pois, como diz no livro "História social da criança e da família" de Philippe Asiès,  nessa idade a pessoa não falava bem e não formava claramente suas palavras. Depois disso, chega a segunda idade, que dura até os 14 anos, quando chega à adolescência, que segundo Constantino se encerra aos 21 anos, mas, porém, segundo Isidoro se estende até os 28 anos. O crescimento podia terminar antes mesmo dos 30, 35 anos, devido ao trabalho precoce que abalava adiantadamente o organismo humano. Até os 45, 50 durava-se a juventude, que era assim chamada devida á força que estava no cidadão para ajudar a si mesma e aos outros. Isidoro nomeia de gravidade, a idade da senectude, que estava entre a juventude e a velhice, porque nessa idade a pessoa é grave nos costumes e nas maneiras. Até os 70 anos ou até a morte dava-se a velhice e a última fase dessas seria chamada de senies, em que o velho está sempre tossindo e escarrando. 


Um gênero de correspondência sideral havia inspirado uma periodização ligada aos 12 signos do zodíaco, que relacionava as idades da vida com um dos temas populares da Idade Média: as cenas do calendário. 


Essas terminologias utilizadas, que hoje nos passa uma impressão tão vazia traduzia noções que na época eram científicas e correspondiam a um sentimento popular e comum da vida. Para o homem de outra época a vida consistia numa continuidade inevitável e cíclica e para nós, hoje em dia, a vida é considerada como um fenômeno biológico, algo que não possui nome e que procuramos nomear.


Na sociedade antiga, a velhice começava cedo, os velhos de Molière, nem eram tão velhos assim e nos pareceriam bem mais jovens do que como eram classificados. A velhice dava-se pela perda de cabelo e uso de barba, como por exemplo, o ancião no concerto de Ticiano, que é também uma representação das idades da vida. 


Na França antiga, a velhice não era respeitada, era considerada como a idade dos livros, do recolhimento, da devoção e da caduquice, de modo que nos séculos XVI e XVII a imagem do homem integral era a de um homem jovem, não propriamente um rapaz na época, mas hoje poderia ser considerado assim. 


Hoje, segundo o livro citado, a velhice desapareceu, pelo menos do francês falado, em que velho tinha um significado pejorativo. A evolução aconteceu em duas etapas: havia o ancião respeitado, aquele ancestral de cabelos de prata, o Nestor que transmitia sábios conselhos e o patriarca de importantes experiências. A segunda etapa foi o desaparecimento do ancião, que foi trocado por “homem de certa idade” e “senhores bem conservados”.