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sábado, 2 de julho de 2011

A razão do desinteresse pela infância

De acordo com o medievalista James A. Schultz, citado por Heywood, por cerca de 2 mil anos, desde a Antiguidade até o século XVIII, as crianças no Ocidente, eram consideradas como sendo adultos imperfeito, sendo e totalmente subordinadas aos adultos. Desse modo, a idéia da infância estava ligada essencialmente à idéia da dependência. Se saía da infância quando se atingia os mais baixos graus de dependência. Esse período era tão breve e insignificante que a criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato, que pode ser explicado pelo alto índice de mortalidade infantil, que tornava a infância demasiado frágil para ganhar um lugar significante.

Essa etapa da vida provavelmente seria de pouco interesse, para os escritores medievais e, assim, somente em épocas comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que as crianças são especiais, sendo dignas de serem estudadas.
 
Para Heywood, essa generalização com relação a períodos e lugares não é capaz de resistir a uma análise mais rigorosa. No entanto, ele considera que a comparação entre criança “imperfeita” (concepção medieval) e criança mística (concepção dos românticos do século XIX) é uma ação bastante instrutiva.

(...) Aristóteles acreditava que apenas os homens no vigor dos anos seriam capazes de julgar corretamente a outros, dado que os jovens exibiam demasiadamente confiança, e os velhos, confiança de menos. Sendo assim, o conceito aristotélico de criança via esse menino (pois eram meninos que geralmente se tinham em mente) como sendo “importante não por si mesmo, mas por seu potencial”.


Persistências das velhas maneiras de pensar sobre a infância no século XX
 


Até os anos 1960, os pesquisadores consideravam a criança como “organismo incompleto”, que evoluía em direções distintas, em resposta a estímulos diferenciados. Vemos que mais uma vez, a idade adulta era a etapa fundamental da vida, para qual a infância não passava de uma preparação e, assim, o importante era encontrar formas de transformar a criança imatura, irracional, incompetente, associal e acultural em um adulto maduro, racional competente, social e autônomo. Esse modo de pensar pode ter criado um obstáculo para a pesquisa sobre a criança, permanecendo o sentimento de que a infância era um fenômeno de pouco interesse para os pesquisadores.

Em 1990 os sociólogos Alan Prout e Allison James apontavam para o surgimento de um novo paradigma para a sociologia da infância, baseado em seis aspectos fundamentais. Em 1998 esses autores, juntamente com Chris Jenks, defenderam abordagens sociológicas, das quais três são consideradas relevantes para os historiadores:

  • A infância deve ser compreendida como uma construção social, de modo que os termos “criança” e “infância” serão compreendidos de formas distintas por sociedades diferentes, afinal a imaturidade das crianças é um fato biológico, mas a forma como ela é compreendida  e como atribuem significados é um fato cultural.
  • A criança é uma variável da análise social, a ser analisada em conjunto com outras, como a famosa tríade classe, gênero e etnicidade. Uma categoria relacionada à idade, como a infância, não pode ser investigada sem que se faça referência a outras formas de diferenciação social que a intersectam. Uma infância de classe média será diferente daquela vivida no seio da classe trabalhadora, os meninos provavelmente não serão criados da mesma forma que as meninas etc.
  • As crianças devem ser consideradas como partes ativas na determinação de suas vidas e das vidas daqueles que estão a seu redor, afinal, as relações entre adultos e crianças podem ser descritas como uma forma de interação, na qual os pequenos têm cultura própria ou sucessão delas (as crianças não são receptáculos passivos dos ensinamentos dos adultos, como pensavam os neobehavioristas; pesquisas sociais recentes indicam ser um engano atribuir aos pais o papel de modelo e às crianças o de seguidoras).

Limites para o novo paradigma proposto por Prout, James e Jenks

  •   Se a infância deve ser considerada uma construção social, que papel resta às influências biológicas?
  • Como se pode chegar a idéias gerais sobre a infância quando a ênfase recai sobre a pluralidade dos construtos sociais, no limite, naquilo que é singular a cada sociedade e não no que é comum a todas?
Esse novo paradigma das ciências sociais influenciou e foi influenciado pela historiografia sobre a infância, tanto que os historiadores contribuíram para um reconhecimento da construção social da infância no qual as comparações no decorrer do tempo foram instrutivas quanto as de caráter intercultural.

  O livro "História social da criança e da família" adequado aos cientistas sociais nos anos 1970 por afirmar que na sociedade medieval o sentimento da infância não existia desencadeou uma série de debates estritamente históricos, sendo discutido se o período medieval tinha realmente uma consciência da infância, os períodos fundamentais na “descoberta da infância”, a natureza das relações entre pais e filhos nos diversos períodos e o papel das escolas etc.

O problema das fontes sobre a infância


Um problema específico para os historiadores é desencavar materiais-fonte sobre infâncias do passado. As próprias crianças não deixam muitos registros. Até mesmo os artefatos destinados a elas, como livros e brinquedos, sobrevivem pouco. Os historiadores têm demonstrado uma engenhosidade considerável em sua utilização das fontes, recorrendo a registros oficiais como os produzidos por inspetores de fábricas e escolas; trabalhos polêmicos gerados a partir de debates relacionadas à infância; descrições literárias em romances e poesias; “documentos do ego’, na forma de diários; autobiografias e testemunhos orais; coleções folclóricas e manuais de aconselhamento destinados aos pais.


Fonte: http://historiadainfancia.blogspot.com/

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